quarta-feira, 31 de março de 2010

carlos drumomond



"E como ficou chato ser moderno. Agora serei eterno." (C.D.A.)


O homem; as viagens


Carlos Drummond de Andrade


100 anos: 1902-2002








O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua

pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.


Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.


Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto — é isto?
idem
idem
idem.


O homem funde a cuca se não for a Júpiter

proclamar justiça junto com injustiça

repetir a fossa

repetir o inquieto

repetitório.



Outros planetas restam para outras colônias.

O espaço todo vira Terra-a-terra.

O homem chega ao Sol ou dá uma volta

só para tever?

Não-vê que ele inventa

roupa insiderável de viver no Sol.

Põe o pé e:

mas que chato é o Sol, falso touro

espanhol domado.



Restam outros sistemas fora

do solar a col-

onizar.

Ao acabarem todos

só resta ao homem

(estará equipado?)

a dificílima dangerosíssima viagem

de si a si mesmo:

pôr o pé no chão

do seu coração

experimentar

colonizar

civilizar

humanizar

o homem

descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas

a perene, insuspeitada alegria

de con-viver.





















Drummond: 100 anos


Carlos Machado, 2002 Carlos Drummond de Andrade


In As Impurezas do Branco


José Olympio, 1973


© Graña Drummond










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